segunda-feira, 28 de julho de 2008

Tecnologia avança, memória declina

Tecnologia avança, memória declina
Cristine Gerk, Jornal do Brasil
RIO - Na era da tecnologia, lembrar é uma tarefa delegada a aparelhos eletrônicos, cada vez mais eficazes em alimentar a preguiça de pensar. Números de telefone e compromissos registrados no palm top, alerta sobre aniversários no orkut e no outlook, cultura geral e informações históricas e geográficas no Google. Enquanto somos bombardeados por informações por todos os lados, escolhemos proteger a nossa memória, peneirando ao máximo o que armazenar. O problema é que o estresse muitas vezes nos faz esquecer até desses pequenos dados selecionados a dedo.
– Recorro ao Google o tempo todo por não me lembrar das informações. É coisa demais na minha cabeça, me sinto sobrecarregado e me “dá branco” toda hora – desabafa o estudante de Direito Demétrio Barros, de 24 anos.
As queixas estão ficando cada vez mais freqüentes entre os jovens. Comportamentos comuns em pessoas com mais idade – como levantar para fazer algo e esquecer a tarefa ou chamar alguém para fazer uma pergunta e paralisar sem lembrar a questão – viraram rotineiros já na juventude. Agora vamos para fora de nós mesmos para encontrar as conexões que antigamente fazíamos internamente.
– As pessoas me falam de uma coisa que já sabia há poucos meses e eu juro que nunca ouvi. Outro dia eu fiquei horas tentando lembrar se o Zagallo ainda estava vivo – conta, bem-humorado, o publicitário, Thiago Silva, de 23 anos.
Cortisol
Para os especialistas, o principal vilão do esquecimento geral na idade adulta é o estresse. Níveis altos de circulação do hormônio cortisol, associado à condição, prejudicam a memória por ter um efeito negativo no hipocampo, região do cérebro crucial para a memória, e uma área que mostra mudanças patológicas muito cedo no curso da doença de Alzheimer.
– Estamos com adrenalina a mil o tempo todo. É o medo de ser assaltado, pressão do trabalho, trânsito caótico. Isso divide a nossa atenção – lamenta Eduardo Jorge, neurologista do laboratório Lâmina.
Jerusa Smid, do departamento de neurologia cognitiva do envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia, concorda. Para ela, uma das principais causas de estresse e lapso de memória é a dificuldade de se concentrar numa atividade só:
– Para acessar uma informação, tenho que ter feito com que ela chegue ao cérebro e se fixe. Quando faço ou penso em 10 coisas ao mesmo tempo, pelo menos três não são consolidadas. Não consigo encontrar depois porque não estão lá. Como não dei atenção, não ficaram registradas.
Jerusa aconselha a filtrar melhor a atenção e procurar se concentrar numa coisa de cada vez. A idéia é escolher não prestar atenção ao que não interessa no momento, como a televisão ou rádio que anunciam notícias ao fundo. Ou clicar só no que realmente queremos ler numa página de jornal na internet.
Segundo Gabriel de Freitas, neurologista do Hospital Israelita Albert Sabin, a pessoa que não filtra as informações é menos eficaz no dia-a-dia, menos ágil nas respostas e tem desempenho pior no trabalho.
– Está acontecendo uma idiotização. Antigamente, quando precisávamos fazer pesquisas, tínhamos de ir em bibliotecas, ler vários textos e livros. Hoje, os alunos têm isso no toque do mouse, e não se aprofundam. Preferem ver o filme ou ler a sinopse a mergulhar num livro – descreve Jorge. – O conhecimento não é mais tão concentrado numa fonte só também. Se eu tivesse que ler todas as revistas necessárias para a minha especialidade, leria 200 artigos por mês.
David Meyer, professor de psicologia da Universidade de Michigan, está convencido que a distração crônica e a longo prazo é tão perigosa quanto o cigarro. Para ele, há um grande mito envolvendo tarefas múltiplas, porque nenhum ser humano pode efetivamente escrever um e-mail e falar no telefone fazendo as duas tarefas tão bem quanto se só estivesse fazendo uma delas. Ambas as atividades usam linguagem e o canal de linguagem no cérebro não agüenta a sobrecarga. Os “multifuncionais” mudam rapidamente o foco de atenção e isso deteriora seu rendimento, segundo Meyer.
Um estudo americano mostrou que as distrações tiram até duas horas do tempo de trabalho. Isso custa à economia americana US$ 588 bilhões por ano. Mesmo assim, a capacidade de realizar múltiplas tarefas ao mesmo tempo é um ideal social e econômico.
Preocupadas com a tendência, Microsoft, Google, IBM e Intel formaram o Information Overload Research Group, dedicado a promover soluções para o excesso de e-mails inúteis e as interrupções distrativas no trabalho.
Limite desconhecido
Não se sabe qual é o limite de armazenamento do ser humano. Desde que nascemos, começamos a armazenar, mas não temos acesso a todas as lembranças.
Há memórias de curto, médio e longo prazos, que ficam guardadas em locais distintos do cérebro, com comunicação entre elas. Elas também são chamadas memória elétrica e química. O hipocampo é o primeiro local por onde a lembrança passa, mas o processo de consolidação se dá no córtex cerebral. Registros como um número de telefone ou dados para uma prova específica geralmente ficam armazenados por pouco tempo.
– Se a informação é associada a emoções fortes, de alegria ou de tristeza, ou a estresse, é mais facilmente transformada em memória de longa duração – explica Jorge. – A repetição também influencia. Se a pessoa assiste uma aula, depois escreve, relê e aplica o aprendizado, é mais fácil lembrar depois.
Há pessoas que armazenam melhor informações visuais, auditivas ou táteis. Começa a haver uma deterioração natural a partir dos 60 anos. Nesta idade, a taxa de Alzheimer é de 1% a 2%, mas o índice dobra a cada cinco anos. Aos 90 anos, em torno de 40 a 50% das pessoas têm a doença.
[21:04] - 26/07/2008

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